Dias de festa e muita diversão. Assim é o carnaval no Brasil desde os tempos em que o país era colônia de Portugal. Uma versão primitiva da folia chegou por aqui ainda no século XVI. Era o entrudo, evento popular que remontava práticas medievais que antecediam o período da quaresma. Por três dias, as pessoas ocupavam as ruas para realizar diversas brincadeiras, como jogar água, farinha, polvilho e os famosos limões-de-cheiro em quem estivesse por perto.
Porém, era comum que também jogassem tinta, lama, água suja, frutas podres e até urina, o que levava as chamadas elites a classificarem o entrudo como violento e ofensivo. No entanto, apesar de muitas das abastadas famílias não se envolverem com a festa, havia aquelas que realizavam as brincadeiras dentro de casa, com os próprios moradores, ou das sacadas, de onde jogavam água nos transeuntes.
Nas ruas, se misturavam pessoas de todos os tipos, incluindo escravos e libertos, sempre promovendo uma grande explosão de alegria contida ao longo de todo ano. Incomodadas, as elites, passaram a realizar campanhas pelo fim do entrudo, denunciando-o como um “jogo bárbaro, pernicioso e imoral”. Por isso, a partir de 1840, a manifestação popular passou a ser reprimida pela polícia, que até então não se envolvia com a festividade.
Na verdade, as mesmas elites também queriam se divertir no carnaval, mas longe do povo. Para atender a esses anseios, surgiram os bailes mascarados, de inspiração italiana, realizados em salões e teatros. Mas, apesar de a repressão ter enfraquecido o entrudo ao longo do tempo, as classes populares encontraram outras formas de cair na folia, como os cordões de rua e as escolas de samba.
Debret e o carnaval
A arte imortalizou o entrudo, em especial os trabalhos realizados pelo francês Jean-Batiste Debret (1768-1848), artista que integrou a Missão Artística Francesa e foi um dos fundadores e professor da Academia Imperial de Belas Artes. Ele escreveu sobre o entrudo em seu livro “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” (1834-1839), além de a folia ter sido tema de algumas de suas pinturas.
Um ponto interessante, é a descrição que ele fez sobre o limão-de-cheiro, mostrando que seu processo de fabricação envolvia famílias de todas as classes sociais. Mas em que consistia este artefato? Tratava-se de uma esfera feita de cera, moldada em uma laranja, que possuía um orifício através do qual era injetada água perfumada, geralmente com aroma de canela.
Boa parte da produção de limões-de-cheiro era vendida nas ruas. “O perfume de canela, que se exala de todas as casas do Rio de Janeiro durante os dois dias anteriores ao carnaval, revela a operação, fonte dos prazeres esperados”, escreve Debret. Na tela “Cena de Carnaval” (1823), o artista retratou uma mulher negra vendendo esses objetos dos desejos dispostos em um tabuleiro.
Na mesma cena, uma outra mulher negra se prepara para atirar um limão-de-cheiro, talvez no homem que suja com polvilho o rosto de uma vendedora de frutas ou no rapaz que esguicha água em direção da venda. Assim, Debret compõe uma típica cena do entrudo. O carnaval também é tema de outras telas do artista: “Carnaval” (1827) e “Marimba – passeio de domingo à tarde” (1826).
Como podemos confirmar nos dias de hoje, seja em clubes privados ou em manifestações de rua de inúmeros tipos, o carnaval seguiu o curso do tempo, ampliando a folia semeada pelo entrudo.