Duas Fridas, Frida Kahlo, 1939

Frida Kahlo: Arte, Dor e Resiliência

A pintora mexicana Frida Kahlo conquistou admiração e respeito por seu trabalho e seus posicionamentos, ao ponto de tornar-se um ícone mundial. A artista teve uma vida muito sofrida, física e emocionalmente.

Sua obra promoveu a cultura e a história do México, levando para o mundo as cores e a energia do seu povo. E a sua figura sempre despertou muito a atenção, com suas roupas estampadas, seus arranjos de flores na cabeça e, é claro, a monocelha.

Considerada “naïf” por alguns e surrealista por outros, Frida desenvolveu um estilo único e facilmente reconhecível, em que o autorretrato preponderou. Além disso, pintou outros retratos, cenas e paisagens que remetiam à natureza, à cultura e ao folclore mexicanos.

Frida
Frida Kahlo, fotografada por Guilherme Kahlo

Dor e resistência: nasce uma artista

Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón nasceu no dia seis de julho de 1907, na vila de Coyoacán, próxima à Cidade do México. Filha de pai de origem alemã e mãe de ascendência indígena e espanhola, passou a maior parte da vida na Casa Azul, residência de sua família onde hoje funciona o Museu Frida Kahlo.

Seu primeiro contato com a arte foi por meio do pai. Fotógrafo profissional, mostrou para a filha como observar o mundo à sua volta. No entanto, sua infância foi marcada pela luta contra as sequelas da poliomielite em uma de suas pernas.

Mas Frida não se rendeu. Estimulada pelo pai, passou a praticar atividades esportivas, o que a ajudou a melhorar seu condicionamento físico e reduzir as limitações provocadas pela doença.

Para se proteger das piadas na escola, onde as crianças a chamavam de “Frida perna de pau”, passou a usar saias longas, hábito que se prolongou por toda a vida, em especial após o grave acidente que sofreu aos 18 anos de idade, quando um trem se chocou contra o ônibus em que Frida estava.

Ela sofreu várias fraturas e lesões na coluna vertebral, além de ter seu corpo atravessado por uma barra de ferro que atingiu a barriga e a pelve. O processo de recuperação foi longo e doloroso, exigindo que Frida ficasse deitada na cama com o corpo imobilizado. Além disso, foram necessárias mais de 30 cirurgias para tratar das feridas.

A pintura surgiu em sua vida como uma forma de ajudar a suportar o penoso processo de recuperação. Frida começou a pintar usando as tintas do seu pai e adaptando um cavalete para que pudesse ficar na cama.

Frida
Sem Esperanças, 1945

Amor, traições e arte: a tumultuada parceria de Frida Kahlo e Diego Rivera

O muralista Diego Rivera foi o grande amor de Frida. Casaram-se quando ela tinha 21 anos de idade e ele 41. Estabeleceram uma parceria que durou até a morte dela, em 1954. No entanto, o relacionamento foi marcado por muitas tensões e traições.

Rivera chegou a ter filhos com uma irmã de Frida. Ela, por sua vez, também teve amantes, sendo um deles o revolucionário comunista russo Leon Trotsky. Na pintura “Memória (O coração)” (1937), Frida retrata a traição de Diego com sua irmã.

Frida
Memória (O Coração), 1937

Vários quadros da artista abordam os altos e baixos da relação entre o casal. “Frida e Diego Rivera (1931), por exemplo, é um registro do casal feito dois anos após se casarem. E “Diego e Frida 1929-1944” (1944) celebra os 15 anos do casamento.

Frida
Frida e Diego Rivera, 1931
Frida
Diego e Frida 1929-1944, 1944

Já o “Autorretrato com cabelo cortado” (1940) é uma provocação de Frida após um rompimento com Rivera, que gostava das tranças da esposa.

Frida
Autorretrato com Cabelo Cortado, 1940

O que podemos aprender com Frida?

Para pintar seus autorretratos no período em que estava acamada, Frida usava um espelho. Seu primeiro quadro foi o “Autorretrato em vestido de veludo” (1926), com o qual presenteou seu então namorado Alejandro Gómez Arias.

Frida
Autorretrato em Vestido de Veludo, 1926

As referências autobiográficas são constantes em sua obra, como na pintura “Duas Fridas” (1939). Ela se autorrepresenta duplamente, fazendo menção à sua ascendência europeia e indígena.

Frida
Duas Fridas, 1939

A expressão do seu sofrimento, tanto físico como psicológico, foi uma constante nas suas pinturas. A tristeza por não ter sido mãe, após sofrer abortos, pode ser sentida na tela “Hospital Henry Ford” (1932).

Não à toa, a vida e a obra de Frida se entrelaçam, ao ponto de não se distinguirem. O eterno ciclo de sofrimento e superação era tema mas também razão para a sua arte, que vinha como uma ferramenta de elaboração de todas as questões que a atravessavam.

Em cada uma de suas telas conviviam paixões, dores e perseverança. Cada trabalho pontuava um momento e reforçava a sua energia motriz que a permitia seguir em frente.

Todo artista, ao transmitir suas emoções através de uma obra, cria uma conexão forte consigo mesmo e também com o espectador, que vê verdade ali, e se reconhece de alguma forma no contexto da representação.

E esse é um grande legado da obra de Frida, a coragem de expor suas fragilidades e criar vínculos.

Ela dizia não ser surrealista, pois não pintava os seus sonhos, apenas a própria realidade. Porém, em suas imagens, resgatam-se conteúdos doloridos que vêm do seu inconsciente. E não é tarefa simples encarar e expor os seus traumas.

Frida
Autorretrato com Colar de Espinhos e Beija-Flor, 1940

Por que a Frida é símbolo do feminismo?

Questões de identidade, gênero, classe e raça permearam a vida de Frida e as suas pinturas. Apesar de ela mesma não se intitular feminista, acabou tendo a sua imagem adotada pelo movimento feminista, como símbolo da força e da superação da mulher.

Ao expor seus sentimentos mais íntimos e suas dores físicas e emocionais, criou uma forte identificação com todas as mulheres que também passam e passaram por dificuldades semelhantes, mas não esmoreceram.

Da mesma forma, ao impor a sua aparência única e cheia de personalidade, que por si tornou-se um ícone da cultura pop, deu o recado ao mundo de que cada uma deve encontrar a sua forma de expressão, a sua estética e a sua beleza.

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André Dorigo

Doutor em História da Arte pela UFRJ. Desde 2017 tem cursos on-line sobre o tema e produz conteúdo para a internet, tendo milhares de alunos. Organiza viagens culturais em diversas cidades.

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