A arte humanista de Francisco de Goya

As habilidades como retratista trouxeram fama e reconhecimento para Francisco de Goya. Porém, a arte desenvolvida pelo pintor e gravador espanhol tem outras vertentes. Além de produzir retratos, ele se engajou nos acontecimentos políticos de sua época e os representou em quadros que entraram para a história.

A tela “3 de maio de 1808” (1814), por exemplo, representa a revolta do povo madrilenho contra as tropas francesas. A obra é uma das primeiras pinturas a representarem um massacre como uma denúncia.

Já “Maja vestida” (1802-1805) é uma das mais conhecidas do pintor espanhol. O óleo sobre tela, de 95 cm de altura e 1,88 cm de largura, estava no inventário de bens de Manuel Godoy, um ministro da corte espanhola. Existe também a versão da “Maja desnuda”.

Ambas as pinturas são de uma mesma mulher retratada de corpo inteiro, deitada e olhando diretamente para quem a observa. A sensualidade provocativa dessas pinturas fez com que o artista respondesse a um processo na inquisição espanhola.

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3 de Maio de 1808, 1814
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Maja Vestida, 1902-05

Goya conquistou a realeza a espanhola

Goya nasceu no dia 30 de março de 1746 em Aragão, na Espanha. Aos 14 anos de idade, iniciou seus estudos formais de arte fazendo cópias de pinturas de vários artistas. Porém, a relação com seus mestres não era tranquila, resultando em várias rupturas.

Outro ponto de tensão foram suas tentativas de ingressar na Real Academia de São Fernando de Madrid, sendo rejeitado nas duas vezes em que se candidatou. No entanto, frustrações à parte, em 1780, ganhou o título de membro desta mesma instituição com a pintura do quadro “Cristo na Cruz”, realizada no mesmo ano. E, para completar, cinco anos depois passou a exercer a função de diretor adjunto de pintura da Real Academia.

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Cristo na Cruz, 1780

Alguns anos antes, em 1771, Goya já havia ganhado uma menção honrosa em um concurso realizado pela Academia de Belas Artes de Parma, o que foi importante para que passasse a receber várias encomendas. Uma delas foi a realização do afresco da Igreja Nossa Senhora do Pilar, em Saragoça, seguida de pedidos de obras de arte para palácios. Também são desse período suas reproduções de cenas folclóricas feitas para tapeçarias.

Em 1785, foi nomeado Primeiro Pintor da Câmara do Rei, período em que produziu diversos retratos da realeza espanhola, como as telas “Conde de Floridablanca” (1783) e “Carlos III, Caçador” (1786). Também produziu retratos de Carlos IV e da rainha Maria Luísa. Nessa época, tornou-se o artista mais bem-sucedido da Espanha.

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Conde de Floridablanca, 1783
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Carlos III, Caçador, 1786

Doença transforma o modo de Goya retratar a vida

Em 1792, durante uma viagem à região da Andaluzia, no sul da Espanha, Goya adoeceu de forma grave, ficando temporariamente paralítico, parcialmente cego e totalmente surdo. Com a doença, perdeu sua vivacidade, seu dinamismo, sua autoconfiança. A alegria desapareceu lentamente de suas pinturas, as cores se tornaram mais escuras e seu modo de pintar ficou mais livre e expressivo.

Alguns anos depois, já recuperado da doença, apesar das sequelas, começou a produzir gravuras em áqua-tinta. Trata-se da série de 80 gravuras dos “Caprichos” (1799) que, ao lado das “Pinturas Negras” (1819-1823), representam o lado obscuro da alma humana, com toda a sua crueldade e loucura.

A primeira série faz uma sátira da sociedade espanhola de finais do século XVIII, em especial da nobreza e do clero. Já as “Pinturas negras” formam um conjunto de 14 quadros produzidos para servirem de decoração dos muros da casa de Goya, a Quinta del Sordo.

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Série Caprichos, 1799
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Série Pinturas Negras, 1819-23

A doença também influenciou na forma de Goya retratar a aristocracia, passando a realçar as fraquezas dos modelos nas suas pinturas. Por outro lado, evidenciou de forma mais contendente sua fascinação pelas mulheres e pelas crianças, como podemos ver nos quadros “Doña Antonia Zarate” (1810-1811) e “Condesa de Chinchón” (1800), o mais terno de seus retratos de mulheres.

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Doña Antonia Zarate, 1810-11
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Condesa de Chinchón, 1800

O horror da guerra

Pouco tempo após a fase elaboração desses retratos, Goya se exilou em sua Quinta del Sordo, em Madrid. Os horrores das guerras napoleônicas e seus impactos sobre os espanhóis chocaram o artista, deixando-o amargo.
Tal contexto transformou sua arte, que passou a refletir sobre a falta de sentido do sofrimento humano. Assim, registrou em suas telas os terrores da guerra e seus inconsequentes atos de crueldade, como mostrou na série de pinturas “Los Desastres de la Guerra” (1810-1820) – na qual fez um uso expressivo das cores para descrever a guerra como algo fútil e sem glória, realçando os assassinos e os mortos (em detrimento dos heróis).

Enfim, ao longo de sua trajetória artística, Francisco de Goya produziu uma ampla variedade de obras, englobando as mais variadas temáticas: retratos, paisagens, enas mitológicas, tragédia, comédia, sátira, farsa, deuses, demônios e o obsceno.

Por tudo isso, é considerado o grande pintor humanista.

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André Dorigo

Doutor em História da Arte pela UFRJ. Desde 2017 tem cursos on-line sobre o tema e produz conteúdo para a internet, tendo milhares de alunos. Organiza viagens culturais em diversas cidades.

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