Experimentação e liberdade conectam a arte de Lygia Pape com o público

Lygia Pape é uma das mais importantes representantes da Arte Contemporânea brasileira. A artista construiu sua obra baseada na liberdade para experimentar e manipular diversas linguagens e formatos, sempre buscando incorporar o espectador como agente participante. Escultora, gravadora, pintora, diretora de cinema, designer e professora, ela nasceu no dia 7 de abril de 1927, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.

Dentre suas inúmeras obras, uma que provocou intensa interação do público foi “O Livro da Criação” (1959), que faz referência à gênese do mundo. Composto por 16 “páginas” quadradas de 30 cm em diversas cores, formas e recortes, o livro podia ser manuseadas pelo espectador.

Livro da Criação, Lygia Pape, 1959
Livro da Criação, Lygia Pape, 1959

Uma das mais importantes realizações da artista pode ser vista no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG). Trata-se da instalação “Ttéia 1C” (2002), localizada na Galeria Lygia Pape. A obra consiste em colunas de fios metalizados instalados do teto ao chão, que são iluminados, causando um efeito arrebatador.

Ttéia 1C, Lygia Pape, 2002
Ttéia 1C, Lygia Pape, 2002

Lygia Pape buscava a liberdade de experimentação

Ao lado de Lygia Clark e Hélio Oiticica, ela integrou o Grupo Frente (1953), que formava o núcleo do Concretismo carioca. Nesse período, o trabalho de Pape é marcado pelo abstracionismo geométrico, como podemos ver na série de pinturas “Jogos Vetoriais” (1954-1956), caracterizada por um jogo dinâmico entre linhas, quadrados e retângulos pintados sobre madeira.

Outra obra dessa fase é a série de relevos “Jogos Matemáticos” (1954-1956). Em 1958, realçando a diversidade de sua arte, Lygia produz o Balé Neoconcreto I, em parceria com o poeta Reynaldo Jardim – com quem, no mesmo ano, ao lado de outros artistas, como o poeta Ferreira Gular, assina o Manifesto Neoconcreto e deixa o Grupo Frente.

Ballet Neoconcreto I, Lygia Pape, 1958
Ballet Neoconcreto I, Lygia Pape, 1958

Para esses artistas, era importante se conectar ao universal estando, ao mesmo tempo, imerso no local e no particular. Os neoconcretos defendiam a liberdade de experimentação, a expressividade e a subjetividade, em oposição ao rigor geométrico de uma arte com parâmetros industriais. Tudo isso para abrir espaço para a experiência do artista ancorada no tempo e no espaço.

É importante lembrar que Pape trabalhou na organização e divulgação da obra de Hélio Oiticica, após a morte do artista, em 1980.

Inovação e arte

Em 1962, Pape passou a trabalhar com cinema, atuando na produção de cartazes, roteiros, na montagem e direção de filmes, inclusive alguns de sua própria autoria. Dentre suas principais colaborações, estão as realizadas para o Cinema Novo, como a programação visual para a divulgação do filme Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos.

Vidas Secas, Lygia Pape, 1963
Cartaz do filme “Vidas Secas”, Lygia Pape, 1963

Ainda na década de 1960, a artista inovou mais uma vez ao atuar como designer, ciando as embalagens para os biscoitos da marca Piraquê, concebendo tanto a arte quanto o formato de cada uma delas. A série tem como característica principal a repetição dos elementos gráficos elaborados especificamente para cada tipo de biscoito, os quais são utilizados até hoje. É dela também a criação do modelo de embalagem cilíndrica para acondicionar alimentos, como a dos biscoitos, que se tornou padrão internacional.

Embalagens para os biscoitos Piraquê, Lygia Pape
Embalagens para os biscoitos Piraquê, Lygia Pape

Participação do público cada vez mais intensa

No final da década de 1960, Pape ampliou seu universo experimental e sensorial com as obras Ovo (1967) e o Divisor (1969). A primeira é seu objeto penetrável, no qual as pessoas eram convidadas a romper o papel ou o plástico fino e colorido, que envolvia cubos de madeira, para terem a sensação de nascimento. Na segunda, uma multidão preenchia um tecido, que possuía várias perfurações, colocando a cabeça nas aberturas existentes.

O Ovo, Lygia Pape, 1967
O Ovo, Lygia Pape, 1967
Divisor, Lygia Pape, 1969
Divisor, Lygia Pape, 1969

Atualmente, seus trabalhos podem ser encontrados no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, no Museu Nacional Reina Sofia (Madrid, Espanha) e no Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves Porto, Portugal), por exemplo.

Pape lecionou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dentre outras. Em 2004, sua filha, a fotógrafa Paula Pape, fundou a Associação Cultural Projeto Lygia Pape.

Marcada pela experimentação e pela mutação, sem sombra de dúvidas Lygia Pape merece ter sua obra apreciada por todos que queiram conhecer arte contemporânea.

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André Dorigo

Doutor em História da Arte pela UFRJ. Desde 2017 tem cursos on-line sobre o tema e produz conteúdo para a internet, tendo milhares de alunos. Organiza viagens culturais em diversas cidades.

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