Narciso, Caravaggio, 1599

A arte da perfeição de Caravaggio

Caravaggio foi o primeiro grande nome da pintura barroca e o responsável por uma verdadeira revolução na arte no século XVII.

Ele imprimiu uma marca inconfundível em suas pinturas: um intenso contraste entre luzes e sombras que conferia grande dramaticidade às cenas e aos personagens que retratava, como pode ser visto na tela “A ceia de Emaús” (1601). Essa forma específica de pintar foi chamada de “tenebrismo” (tons terrosos contrastam com os fortes pontos de luz) e influenciou gerações de artistas.

A Ceia de Emaús, Caravaggio,1601
A Ceia de Emaús, Caravaggio,1601

Caravaggio também realçava as expressões faciais e a musculatura dos personagens, o que trazia um realismo marcante às suas representações da figura humana.

Para muitos, ele era uma pessoa irascível, boêmia e de existência errática, o que não o impediu de ter o apoio da Igreja Católica, que via em seus quadros dramáticos e teatrais uma forma de cativar fiéis no contexto da Contrarreforma.

Uma vida conturbada

Michelangelo Merisi da Caravaggio nasceu no dia 29 de setembro de 1571 em uma pequena cidade italiana chamada Caravaggio – daí a inspiração para seu nome artístico. Era filho de um administrador e arquiteto-decorador. Quando tinha seis anos de idade, seu pai e quase todos os homens de sua família morreram de peste bubônica.

Em 1606, após ser acusado de matar um homem em uma briga, fugiu para Roma e, em seguida, para outras cidades, onde se envolveu em novas confusões.

Pessoas comuns como modelos de personagens bíblicos

A maior parte das pinturas de Caravaggio representam temas religiosos, mas sem a idealização característica do período renascentista. Os personagens de suas telas foram criados a partir de pessoas comuns, o que gerou muita polêmica, mas também muita admiração.

Esses personagens eram escolhidos entre pessoas do povo, em alguns casos prostitutas, crianças de rua, mendigos e comerciantes. Não se preocupava em representar o que poderia ser visto como feio, deformado ou provocador. Inclusive, foi acusado de usar como modelo o corpo de uma mulher que havia morrido afogada para pintar “A morte da Virgem” (1604-1606).

A Morte da Virgem, Caravaggio, 1604-06
A Morte da Virgem, Caravaggio, 1604-06

Seus quadros têm uma dimensão muito realista, o que é intensificado pelo uso de um fundo raso e obscuro (quase preto), com a cena em primeiro plano e focos de luz sobre os detalhes.

A arte do claro-escuro em temas que impressionam

Além do realismo impressionante, do contraste entre luz e sombra e do uso de pessoas comuns como modelo, a pintura de Caravaggio é caracterizada pelas narrativas religiosas, a representação da morte e do sofrimento.

No quadro “Flagelação de Cristo” (1607), por exemplo, o artista representou Cristo em um movimento de total abandono, compondo uma espécie de coreografia por meio do contrate de claro-escuro. Já em “A Incredulidade de São Tomé” (1601–1602) o próprio apóstolo que dá nome à tela aparece enfiando o dedo em uma ferida de Jesus após sua ressureição (para confirmar que de fato era Jesus).

A Flagelação de Cristo, Caravaggio, 1607
A Flagelação de Cristo, Caravaggio, 1607
A Incredulidade de São Tomé, Caravaggio, 1601-02
A Incredulidade de São Tomé, Caravaggio, 1601-02

A decapitação de figuras que podem ser vistas como representações do bem e do mal é um tema tratado em algumas das obras do pintor italiano. Em “Davi com a cabeça de Golias” (1605), um jovem Davi representa a alegoria da justiça, com uma espada na mão direita e a cabeça do gigante Golias na mão esquerda.

Davi com a Cabeça de Golias, Caravaggio, 1605
Davi com a Cabeça de Golias, Caravaggio, 1605

Já a obra “A Decapitação de São João Batista” (1608), uma tela de grandes dimensões (3,61 x 5,20 m), mostra a execução de João Batista a apedido de Salomé, que também é representada na cena segurando uma bandeja de ouro, pronta para receber a cabeça decapitada.

A Decapitação de São João Batista, Caravaggio, 1609
A Decapitação de São João Batista, Caravaggio, 1609

Outra pintura que traz uma cabeça como destaque é “Medusa” (1597) – figura mitológica que é conhecida por ter o poder de transformar pessoas em pedra após cruzarem o olhar com a temida personagem. Na cena, Medusa se espanta com a imagem de sua própria cabeça decapitada.

Medusa, Caravaggio, 1597
Medusa, Caravaggio, 1597

Em “Narciso” (1599), vemos outra cena em que um personagem observa a si mesmo. Só que ao invés de espanto, a contemplação de si causa encantamento com a própria imagem. Chama a atenção o nível de detalhamento do reflexo.

Narciso, Caravaggio, 1599
Narciso, Caravaggio, 1599

Apesar do grande talento e de ter trabalhado para vários patronos, Caravaggio teve uma vida conturbada. Sua carreira durou cerca de dez anos e ele faleceu em 1610, aos 38 anos. No entanto, conseguiu ser reconhecido como um dos gênios absolutos da pintura.

 

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André Dorigo

Doutor em História da Arte pela UFRJ. Desde 2017 tem cursos on-line sobre o tema e produz conteúdo para a internet, tendo milhares de alunos. Organiza viagens culturais em diversas cidades.

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